A nova safra (e que safra!) da Música Popular Brasileira contemporânea tem acolhida certa em um dos palcos mais almejados da cena musical nacional: o de Roberta Martinelli. E por que não dizer três palcos – já que, à frente do Cultura Livre (TV Cultura), do Som a Pino (programa da rádio Eldorado) e de uma coluna no Caderno 2 do jornal Estado de São Paulo, a jornalista musical se tornou uma trendsetter quando o assunto é “descobrir” novas vozes? A convite do Maloca Dragão para fazer parte da curadoria de bandas e apresentação do festival, Roberta deu um rasante em Fortaleza e, entre um show e outro, conversou com a inVoga sobre trajetória, protagonismo feminino e, claro, som.
As direções às quais a vida nos leva podem guardar inúmeras possibilidades. Às vezes, nem tudo que é imaginado se concretiza, e o destino abraça outras oportunidades que, até então, não imaginávamos quanto poderiam direcionar nosso caminho. Foi assim com Roberta Martinelli. Para chegar até à música – sua vocação – ela começou essa caminhada aos 18 anos, quando teve que escolher uma faculdade. Ingressou no Direito por influência dos pais, que achavam a profissão “sua cara”. “É engraçado como sempre somos perguntados sobre o que queremos ser quando crescer, como se desse para escolher algo com 18 anos. Você vai escolhendo com o tempo, e as coisas podem mudar”, reflete.
Trabalhava na área jurídica quando recebeu o convite para ficar na bilheteria de uma peça de teatro na faculdade de artes da USP. “Cheguei e achei o lugar maravilhoso, as pessoas incríveis e pensei: ‘quero ser bilheteira’. Eu amei”, conta. Esta ainda não era sua aptidão, mas um indicativo de que, na verdade, ela queria estar envolvida com arte. “Depois de uns seis meses, a mesma organizadora dessa peça me ligou e falou de um espetáculo sobre Vinícius de Moraes, em que precisavam de uma atriz para ser a garota de Ipanema. “Você é super bronzeada, tem a ver com o papel. Não quer fazer?”, ela disse. E eu era muito tímida, mas aceitei”. Com a experiência, Roberta mergulhou no mundo da atuação e se formou em Teatro pela Célia Helena Centro de Artes e Educação. Alguns testes e negativas depois, “uma faculdade me convidou para dar aulas, mas precisava estar formada, e eu só tinha profissionalizante”, relembra. Para conseguir a vaga, foi estudar Rádio e TV na Fundação Armando Álvares Penteado. Aí inicia diretamente a jornada de nove anos – e contando – com a música. “Entrei como estagiária na Rádio Cultura e criei o Cultura Livre. Ali, minha vida passou a ser a música”.
Em 2011, o programa passa a ser veiculado também na televisão, mas mantém sua essência: receber descobertas musicais brasileiras para conversar sobre a trajetória e o fazer som. “Todas as emissoras de televisão têm um padrão comercial. Quando eu cheguei e comecei a fazer uma produção de TV que se preocupava mais com o artista, com o som, do que com o veículo, deu um respiro em meio àquela tensão”, conta. Além da televisão, Roberta comanda o Som a Pino, na rádio paulistana Eldorado. “Todas as rádios tocam a mesma música. Eu, desde que entrei, faço uma pesquisa e divulgo a música brasileira em uma rádio FM, algo raro”. E, agora, se aventura no campo desconhecido do impresso, com a coluna musical no Estado de São Paulo. “No impresso ainda estou achando meu espaço, como fazer para entrar na linguagem que ele pede”, diz.
Responsável por lançar e fortalecer nomes da música no país? Ela rejeita esse título. “A música brasileira está super forte e acontece sozinha. Ela não precisa de mim. Claro que eu consigo ampliar aquela voz, mas ela aconteceria de qualquer maneira”, frisa. Essa seleção de vozes acontece de forma bem pensada, mas Roberta admite que é possível “cometer falhas na minha vida. Posso deixar de fora bandas que não deveria ter deixado”. Mas ressalta: “As pessoas se preocupam demais em aparecer no programa da tv ou tocar na rádio. Mas, e show? Eu sempre gosto de ir aos espetáculos para depois chamar as bandas. Um exemplo é a Larissa Luz, que já foi este ano no programa. Ela me mandava mensagem há um tempo. Eu a vi no REC Beat do Dragão do Mar, aqui em Fortaleza, e chamei”.
Essa atuação multimídia rendeu à jornalista o prêmio de melhor jornalista do Women’s Music Event Awards (WME), primeira premiação musical destinada exclusivamente às mulheres. E Roberta tem, de fato, muito destaque na área jornalística de cultura, mas é uma cobertura com presença masculina forte. Com o tempo, ela teve que aprender a não provar nada para nenhum deles e deixar seu trabalho falar por si. “Chegava aos festivais, a maioria dos jornalistas era homens. Parecia uma gincana, porque eu sentia – nem sei se vinha deles ou de mim mesma – que deveria provar que eu também sabia do que estava falando”. Quanto ao movimento feminista que se fortaleceu nos últimos anos, ela é direta: as pessoas podem até tentar não ouvir as mulheres, mas elas estão falando cada vez mais alto. “Ser mulher é saber que a gente vai ter que lutar sempre!”.