O MUNDO SOBRE RODAS POR KETLY DIAS

Nessas andanças mundo afora, Ketly experienciou dificuldades – e também alegrias – quanto à acessibilidade necessária para pessoas com deficiência. Informações valiosas que se tornaram a base de sua rede social, recheada de dicas e histórias que inspiram. 

São mais de duas décadas convivendo com a distrofia muscular. Mas, quem disse que a doença degenerativa é empecilho para Ketly e sua vontade de percorrer cidades, estados e países? No seu Instagram (@acessibilidade_to_de_olho), ela fala para os 45 mil seguidores sobre cada destino e como se preparar para eles. 

 

Madri

 

“Foram sete anos, desde o início dos sintomas – fraqueza nas pernas era um deles -, até o diagnóstico de distrofia muscular. A dificuldade de correr, de subir num ônibus ou um degrau muito alto, e as quedas sem motivo começaram na adolescência, aos 14 anos. Passando de médico em médico, um especialista neuromuscular requisitou um exame chamado eletroneuromiografia. Resultado: fraqueza muscular grave. Ele não sabia exatamente o que era, e a distrofia muscular não era uma doença muito falada. Ao identificar a fraqueza, o médico falou para minha mãe que meu caso era de origem neurológica e que eu teria entre seis meses e um ano de vida. Eu não acreditei que tinha tão pouco tempo. Procuramos o Hospital das Clínicas, em São Paulo, um dos melhores do Estado. Foi onde comecei um tratamento contra polimiosite, mal que também afeta os músculos. Quimioterapia, imunossupressão e radioterapia foram alguns dos procedimentos pelos quais passei. Após anos, recebi uma carta com os seguintes dizeres: ‘Infelizmente, nós não conseguimos descobrir o que você tem. Diagnóstico desconhecido. Procure uma outra unidade de saúde’. Assim, fui encaminhada para Escola Paulista de Medicina, que conseguiu o diagnóstico correto através de um mapeamento genético. 

Em paralelo a todos esses contratempos, continuei vivendo minha vida. Entrei na faculdade de administração de empresas e comecei a trabalhar em uma empresa de São Paulo, o caminho para a minha paixão por viagens.” 

 

Ketly em Ilha Bela

 

As viagens 

Aos 18 anos, fiz a minha primeira viagem, coincidentemente, para Fortaleza. Em busca, também, de um cuidado espiritual com os curandeiros. Mas ainda não foi nesse momento que despertou meu amor por conhecer o mundo. Ganhei um sorteio na empresa que trabalhava e pude ir para Natal, João Pessoa e Recife. Aí, sim, me apaixonei. Desse dia em diante, decidi que trabalharia o máximo que eu pudesse, e que o dinheiro da viagem estaria guardado. Todas as férias eu vou para um lugar, seja mais distante ou mais pertinho. São tantos lugares viajados, que eu não lembro todos. Las Vegas, Orlando, Madri, Itália, Foz do Iguaçu, e o Nordeste quase todo. 

Durante essas viagens, me chamou à atenção a falta de acessibilidade. Comecei a anotar minhas informações sobre isso e organizei por pastas, com cidade, hotel, restaurante e ponto turístico que deixavam a desejar ou que já tinham acessos para pessoas com deficiência. Assim, próxima vez que eu fosse para o mesmo destino, já saberia qual lugar seria bom. Essas informações, desde 2017, estão registradas no meu Instagram (@acessibilidade_to_de_olho), para ajudar outras pessoas com deficiência e cadeirantes que têm a mesma dificuldade. São 45 mil seguidores, com ou sem deficiência, interessados nessas dicas, no roteiro que fiz, onde fiquei e em empresas de transfer. 

Chile

 

Falando dos lugares que eu visitei, é claro que no Brasil a gente tem muito mais dificuldade, pois há muita parte histórica. João Pessoa, por exemplo, é uma cidade que eu amo, mas onde tenho muitos problemas. Muitas igrejas têm essa coisa de ser histórico e não poder colocar uma rampa, que no patrimônio não pode mexer. Então eu, que não consigo andar, não posso ver? Só pode conhecer a história quem consegue se locomover? Ainda bato nessa tecla, mas não brigo muito, porque não quero entrar em uma questão política, não é o meu papel. 

O lugar de que mais gosto é São Paulo. Acho que por ser uma cidade grande, os pontos turísticos já estão quase todos adaptados. Foz do Iguaçu é uma cidade pela qual eu sou apaixonada e pensa muito na questão da acessibilidade. Até mesmo as Cataratas estão bem preparadas dos dois lados, tanto o lado brasileiro quanto o lado argentino, e eles têm uma estrutura boa para nos receber, com banheiro adaptado. No Nordeste, ainda sinto dificuldade, por ser muita praia. Mas com os projetos que existem, como o ‘Praia para todos’ ou o ‘Rodas da Liberdade’, facilita o acesso, porém, geralmente eles só funcionam no sábado de manhã. Diferente de Miami, lugar em que se pode ir à praia a qualquer dia e hora, graças às plataformas que vão por cima da areia em alguns pontos. 

Eu tive muita dificuldade na Itália, pois, mais uma vez, é um país histórico. Indico para todos, porque é lindo, mas é necessário ir acompanhado. 

Sempre indico para todos os meus amigos, independentemente se têm ou não deficiência, planejamento. Planejar cada passo para não ter grandes surpresas. Para quem precisa de uma acessibilidade maior, é preciso chegar com bastante antecedência ao aeroporto, pedir fotos do quarto, foto da cadeira de banho para ver se realmente te atende, ter uma ideia de onde tem táxi acessível, e se há hotéis na região para que, caso o primeiro não funcione, você tenha outra opção”. 

“Quanto à Distrofia Muscular, como é uma doença genética progressiva e degenerativa, você não sabe o dia de amanhã, não sabe qual músculo vai ser perdido, então tem que ir vivendo um dia de cada vez. Por isso, eu viajo sempre. Estou procurando lugares novos para duas coisas: me divertir e ajudar o próximo. Não vamos levar bens materiais desta vida, mas o que vivemos, com certeza, sim. O que eu vivo vai ficar comigo para sempre”. 

 

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