Uno Vulpo é um profissional que desafia convenções ao unir medicina e design para transformar a comunicação sobre temas considerados “tabu”. Uno encontrou no cruzamento de suas áreas de atuação uma maneira inovadora de abordar temas fundamentais para a saúde pública. Criador do Senta, uma plataforma multimídia dedicada à educação sexual e à redução de danos no uso de substâncias, ele desafia tabus e promove o acesso à informação com uma linguagem acessível, visualmente impactante e livre de preconceitos.
Cisgênero, bissexual e médico especializado em sexo, gênero e redução de danos no uso de drogas, Uno já participou do programa Biografias Íntimas no GNT como especialista em saúde sexual e do podcast Sobre Prazer Deles no GloboPlay, onde abordou temas considerados tabu, como a masculinidade.
Nesta entrevista para Invoga, Uno compartilha sua trajetória, os desafios de comunicar temas sensíveis no Brasil e a importância de ampliar o debate sobre saúde de maneira transparente e sem censura. Ele também detalha a campanha de Carnaval, em parceria com a marca Bem Bolado, focada na conscientização sobre a redução de danos durante a maior festa do país.
Como sua formação em medicina e design gráfico contribuiu para a criação do Senta?
O Senta é mais um projeto gráfico do que médico eu digo. O design para mim é quando a gente consegue transmitir uma mensagem de forma autêntica e de fácil entendimento, que é o que faço. A medicina me dá o recheio disso me proporcionando informações e ideias sobre o que será dissipado.
Qual foi o momento decisivo que o motivou a abordar temas como educação sexual e redução de danos?
Minha criação foi cristã, evangélica e conservadora. Sempre quis estar próximo de pessoas com gostos músicas e de artes parecidos com os meus, mas, muitas vezes, esses grupos tinham um estilo de vida e falavam de assuntos como sexo e drogas que não combinava com as regras que me foram impostas. Por uma trava neste sentido e medo de uma opressão familiar, mas com vontade de interagir com essas pessoas, resolvi me tornar um estudioso dos temas, virar um “nerdola”, então eu não fazia o que o grupo fazia, mas sabia falar sobre. E esse interesse, foi crescendo ao longo da faculdade de medicina, quando passei a entender melhor os fármacos e seus efeitos.
Quais desafios você enfrentou ao falar de assuntos “tabu” no Brasil?
A repressão é muita e constante. Já perdi uma página com mais de 100 mil seguidores e levei uns 3 anos para reconstruir essa base. Muitas pessoas criticam o trabalho, achando que estou incentivando o uso de drogas, mas minha intenção é justamente levar informação de qualidade. Antes do Senta, trabalhei com uma ONG que fundei com a Duda Salaberti, chamada Transvest, voltada para educação e inserção de pessoas trans no mercado de trabalho. Esse histórico me ajudou a lidar com os ataques e a seguir em frente.
É um tema difícil porque, infelizmente, ainda há muito desconhecimento sobre ele. Poucas pessoas se dispõem a pesquisar ou a falar sobre isso. Então, não tenho muitas referências de como abordar a questão. Vou me guiando pelo que acredito ser certo, mesmo que isso acabe me fazendo errar algumas vezes. No entanto, sempre encaro o feedback, seja ele mais duro ou não, de maneira construtiva, para melhorar o conteúdo e conseguir transmitir a mensagem de forma mais eficaz.
Como você enxerga a evolução desses diálogos na sociedade atualmente?
Ainda estamos engatinhando. Muitos veem essas questões com hipocrisia, como se o uso de substâncias e a discussão sobre sexualidade não fossem parte do cotidiano. Vivem em uma bolha, acreditando que ninguém ao seu redor utiliza substâncias, quando, na verdade, o álcool também faz parte desse contexto. A história da Guerra às drogas, por exemplo, sempre teve um viés de opressão a grupos libertários. Na época de Billie Holiday, havia uma repressão intensa ao ópio e à maconha, pois se dizia que essas substâncias eram usadas pelos negros como forma de resistência ao poder público e à força policial. Enquanto não enxergarmos a questão como um problema social, não avançaremos.
Qual feedback do público mais te marcou desde o início do Senta?
O que mais me marcou, foi que uma amiga uma vez me chamou de “Zeitgeist”, que significa “o espírito de uma época”. Ela disse que eu traduzo as inquietações contemporâneas e crio espaços para diálogo. Achei isso muito interessante e fiquei lisonjeado, porque o Senta é exatamente isso: colocar as minhas experiências, dúvidas – tanto as que tenho quanto as que já tive – em uma plataforma pública, onde os usuários podem trocar ideias. Ela comentou isso sobre mim quando eu comecei a falar sobre o tesão das pessoas na pandemia e a vontade das pessoas de beber mais e usar substâncias.
O que você diria para quem quer trabalhar com temáticas sociais sensíveis?
O ideal ao falar de temas sensíveis é falar de uma forma se incluindo na discussão. Isso gera identificação e empatia. Mais do que apenas compartilhar informações, é importante levantar questões reais e abrir espaço para outras perspectivas. Eu trago minhas próprias dúvidas e convido as pessoas a refletirem junto comigo sobre os temas. Eu poderia apresentar uma grande quantidade de informações científicas, mas prefiro levantar a questão e convidar as pessoas a explorar o lado científico disso comigo, caso exista.
Quais são seus próximos projetos e ambições pessoais e profissionais?
Quero expandir a produção de conteúdo, talvez por meio de podcasts ou vídeos ao vivo. E um dos meus maiores desafios é me conectar mais com a Geração Z, que tem uma forma única de absorver informações, tem mais dificuldade de ouvir conselho, outras experiências. E seguir minha formação acadêmica, sou médico, então vou me especializar ainda mais, quero fazer doutorado sobre redução de danos.
Recentemente, você participou de uma parceria entre o Senta e a Bem Bolado para a campanha de Carnaval. Quais foram os principais objetivos dessa colaboração?
Tivemos uma conexão natural. Sempre admirei a identidade visual da Bem Bolado; dentro das marcas do segmento, eles têm uma comunicação mais descontraída, tratando os temas de forma informativa mais com humor. E eles já interagiam nos meus posts também. O objetivo foi trazer a ideia de ‘monogamia com substâncias’, ou seja, conscientizar as pessoas sobre a importância de evitar misturas arriscadas. Fizemos isso de forma leve e com humor, que é uma das características principais do Senta.