Recentemente em “Volta Por Cima”, da Globo, a atriz fala sobre identidade e a urgência de romper com estereótipos ainda dominantes
Jacqueline Sato é, hoje, uma das vozes mais proeminentes da representatividade amarela no audiovisual brasileiro. Atriz versátil, apresentadora, produtora inquieta, dubladora de timbre marcante e ativista convicta das causas ambiental e animal, ela enxerga em cada projeto uma oportunidade criativa para ampliar o espaço, e a complexidade, das histórias de pessoas com ascendência asiática. Ao fazer da própria carreira uma plataforma de transformação, ela vem tensionando estereótipos, desafiando a lógica dos bastidores e ajudando a abrir caminho para novas gerações.

Sua atuação vai bem além das câmeras — foi Sato quem idealizou “Mulheres Asiáticas”, híbrido de documentário, talk show e reality, conduzido também por Aya Matsusaki e Denise Meira do Amaral Takeuchi. Ao recusar o enquadramento turístico que por tanto tempo reduziu corpos de mulheres amarelas a bonecas de vitrine, o programa (hoje disponível no Universal+) se propõe a exibir as fraturas, os desejos, os apagamentos e, mais importantemente, as resistências que atravessam essa grande pluralidade de existências.
Neste ano em que se comemoram 130 anos de relações diplomáticas entre os dois países, Brasil e Japão, Jacqueline foi convidada para palestrar diante de centenas de mulheres de diferentes regiões do país, em um evento de proporções históricas: o Encontro Nacional e Lançamento da Rede Mulheres Nipo-Brasileiras. Ao lado de autoridades como o Embaixador do Japão, o presidente da JICA Brasil e o presidente da Japan House, ela compôs um mosaico de presenças femininas nipo-brasileiras — plurais em si, em suas trajetórias e suas frentes de atuação. Ali, com a missão de falar sobre o presente, identidade e liderança, ela assumiu a tarefa de des-silenciar histórias e afirmar modos mais saudáveis de liderança.

Ela comenta sobre a experiência: “Ao lado de outras palestrantes que falaram do passado e do futuro, minha missão foi falar do presente em relação à identidade e liderança das mulheres nipo-brasileiras. Algo de um privilégio, alegria e responsabilidade sem igual. Foi emocionante começarmos o dia honrando as que vieram antes, descobrindo mais das histórias de muitas mulheres que foram pioneiras em ações para a educação e profissionalização feminina; depois, seguir para a minha fala nessa busca de des-silenciamento das nossas histórias, dividindo com elas os pensamentos e formas de liderança que eu acredito serem mais saudáveis e eficazes, e o incentivo para seguirmos ocupando os espaços e ecoando nossas vozes, lembrando que, muitas de nós não somos tímidas, mas fomos e somos intimidadas constantemente; e por fim falarmos de futuro desejando que ele permita que as novas gerações tenham uma relação muito mais amorosa com suas identidades. Durante as falas dessa parte da manhã, pude ver muitos olhos se enchendo e outros escorrendo lágrimas. Um desaguar ancestral, necessário. Um evento que promoveu conexão, cura e potencialização de novos rumos para as mulheres e meninas nipo-brasileiras. Fico muito feliz que minha contribuição tenha tocado tantas mulheres. Ouvi-las, foi de alimentar a alma e fortalecer a energia necessária para seguir nessa caminhada rumo às mudanças que precisam acontecer em relação à equidade de gênero, representatividade, e desconstrução de preconceitos e estereótipos”.
A presença da artista também se faz sentir fora do país. Em maio, ela esteve no Festival de Cannes, acompanhando uma seleção de filmes que colocam artistas asiáticos como protagonistas de suas histórias. E não foi só como espectadora: Jacqueline, em 2024, participou da competição oficial como produtora associada do curta “Amarela”, indicado à Palma de Ouro. A obra, densa e sensível, trata do desconforto de uma jovem sansei paulistana diante do apagamento de suas raízes — dilema que não é individual, mas sintomático de uma diáspora muitas vezes empurrada para a invisibilidade.

“Enquanto o outro for o sujeito a falar sobre nós e por nós, permaneceremos à margem, permaneceremos objeto e não sujeito, e as chances de ter algo com a profundidade e autenticidade que merecemos seguirá beirando o impossível. Por isso, acho importante que mais e mais pessoas busquem contar suas histórias. Ainda estamos numa fase inicial, acho que temos muito mais a construir, mas é muito satisfatório ver que já tem surtido efeito. Eu não acredito que essa ‘virada’, que pra mim ainda não virou, só deu uma ‘inclinada’, seja algo passageiro, afinal, nossas existências e individualidades não são passageiras. O entrave está no fato de que a maioria das pessoas no poder são brancas e desconhecem a nós e nossa cultura, e acabam inviabilizando ou estereotipando”, conta.



Essa recusa em ser reduzida a uma nota de rodapé é também o motor do trabalho que Sato desenvolveu em “Volta Por Cima”, novela da TV Globo em que interpretou Yuki. Ao contrário de tantos personagens amarelos construídos como estereótipos ambulantes — submissos, zen, nerds ou sexualizados, a personagem é uma mulher brasileira com ascendência japonesa que não está ali para representar uma cultura, mas para existir como sujeito em si. E é exatamente esse o ponto: dar conta da pluralidade sem transformar a ancestralidade numa caricatura.

“Cabe a cada um de nós que tiver a oportunidade criar e/ou ocupar uma posição privilegiada de tomador de decisão, ter consciência disso e ser resiliente sabendo da importância e impacto coletivo a cada escolha. E, claro, buscar ter equipes diversas que abarquem a brasilidade como um todo, reafirmando que nós somos parte dela, embora não esteja refletido no audiovisual de forma justa, por enquanto. E depois destes espaços ocupados, acho muito mais difícil ter retrocessos, afinal, muitas consciências já terão sido despertadas e muitas de nossas histórias terão sido contadas, e isso é caminho sem volta. Ainda bem!”, arremata a atriz.