O CEARÁ É DO BRASIL

De menino tímido que admirava o pai brincalhão até o humorista que encontrou em Chico Anysio sua maior inspiração, Ceará vem mostrando ao longo dos quase 30 anos de carreira que herdou do seu estado, além do nome artístico, a veia cômica de uma terra que não cansa de emprestar seu riso ao Brasil. Escondendo por trás dos mais incontáveis personagens um homem focado, estudioso e que sabe cultivar as oportunidades que a vida lhe dá, esse fortalezense de sacadas rápidas faz rir por onde passa – seja nos palcos, nas ruas, na TV, no YouTube, ao lado da esposa Mirella Santos, ou nos stories, acompanhado daquela que a gente torce para ser sua sucessora: a filha Valentina. E no dia que ele abriu as portas da sua casa em SP para a inVoga, não poderia ter sido diferente, ele fez e foi a graça.

Aos 16 anos, você já fazia shows em sua terra natal, Fortaleza, e o estado do Ceará é um tradicional celeiro de comediantes. Como se deu essa descoberta da veia artística e, principalmente, humorística?

Essa descoberta veio com 14, 15 anos, mas o interesse e a decisão mesmo foi aos 16. Eu fiz teste de rádio, mas ainda não tinha a voz firme para ser radialista, locutor e fui reprovado em vários. A alternativa foi tentar fazer alguma coisa com humor nos palcos, e foi então que eu comecei a parceria fazendo dupla com o Hiran Delmar. Trabalhei com ele durante dois anos e, aos 18, em 1991, decidi fazer minha primeira apresentação sozinho – essa história eu, inclusive, conto no meu espetáculo atual. Fiz shows em pizzarias, bares, restaurantes, tudo eu fazia, e foi muito complicado, porque os cachês eram mínimos, cerca de 50 reais, se fossem valores de hoje. Eu lembro que, muitas vezes, quando não tinha público e não tinha cachê, a gente levava para casa uma pizza grande e um refrigerante de dois litros como pagamento.

 

Falando na fama dos humoristas cearenses, quem são suas referências, não só da terrinha, mas do cenário nacional? Apesar de, hoje, você ser uma inspiração, quem te inspirou e inspira a fazer humor? 

Quando criança, eu não sabia contar piada, daí comprava aquelas revistas do Costinha e do Ary Toledo que vendiam nas bancas e tentava aprender, decorar. Esse humor de improviso eu fui desenvolvendo nos palcos dos shows em Fortaleza, porque pegava o gancho nas perguntas e respostas engraçadas da plateia e improvisava. Acho que humor é isso, é você se deixar levar. Na época também assistia programas de TV com outros humoristas que imitavam vozes: Serginho Leite, o pessoal da Jovem Pan, o Escova, o Tom Cavalcante, etc. Mas sempre respondo que minha grande inspiração mesmo vem da minha terra e, principalmente, do Chico Anysio. Sempre admirei o talento e a criatividade dele como humorista e imitador – um homem generoso que criou mais de 210 personagens não só para ele, como para os colegas de profissão. Ele é um mestre, e acredito que seja uma inspiração não só para mim como para os humoristas de todo o Brasil.

Nossa matéria está sendo fotografada em São Paulo, cidade que te acolheu há mais de 20 anos e pela qual você parece ter muito carinho. Como foi o início da vida na terra da garoa, e o que te fez permanecer?

Nunca imaginei que moraria aqui e em 2018 completa 21 anos que cheguei a São Paulo. Vim para cá em 1997 quando fui contratado pela Jovem Pan para fazer o Pânico na rádio – já trabalhava para a rádio em Fortaleza e fui acolhido por todos. Um ano depois, criei o Paulo Jalaska, inspirado nos grandes radialistas do Ceará. Naturalmente fui ficando, adorando a cidade, conhecendo a cultura e entendo o humor local. Minha mãe e meus irmãos ainda moram em Fortaleza, mas, hoje, eu me identifico com São Paulo – as pessoas me receberam muito bem, construí uma nova família aqui, assim como tenho muitos amigos. Eu fiquei pouco tempo em Fortaleza, mas, sempre que posso, vou na terrinha. Gosto tanto do Ceará, que carrego o meu Estado no meu nome artístico. Sou muito grato e realmente amo as duas cidades.

O programa Ceará Fora da Casinha é um sucesso – há dois anos no ar no canal Multishow -, e sua peça, Ceará Dando as Caras, começou despretensiosamente, mas, hoje, viaja o Brasil e bate recorde de bilheteria. A que se deve tamanho sucesso e credibilidade, fora o inegável talento, claro?

Obrigado pelos elogios! O programa deu muito certo, e ficamos tão felizes com o resultado, que fizemos a segunda temporada. Já a peça começou de forma despretensiosa mesmo e, como fiquei afastado por 10 anos dos palcos, não esperava que fosse encher os teatros. Estive em Fortaleza ano passado no Teatro RioMar, e a casa estava lotada com ingressos esgotados. Fiquei preocupado porque dizem que santo de casa não faz milagre, né? Mas foi incrível e fiquei muito feliz com o carinho do público, mesmo morando fora há mais de 20 anos. Acho que o sucesso vem disso – de tentar falar diretamente com o público, ser atencioso, receber a galera sempre que posso depois dos shows para ouvir o feedback. Esse, talvez, seja um dos segredos. Não adianta só ser um humorista bacana na TV e, quando tá pessoalmente, maltratar ou não dar atenção ao público. Acredito que quando comecei, não tinha tanto talento para o humor, porque eu fui uma criança tímida, despreparada e despretensiosa, mas muito focada. Meu pai sempre foi muito engraçado, brincalhão, e eu era o contrário, mas ele me inspirou muito, e acredito que o que me levou pra frente foi minha persistência e força de vontade.

Outro lugar onde você – e toda sua família (Ceará é casado com a modelo Mirella Santos) – faz muito sucesso, principalmente depois do nascimento da sua filha, é nas redes sociais. Como está sendo a repercussão dos canais no Youtube, Instagrans, e como é lidar com esse “assédio” dos fãs a vocês e à Valentina?

É verdade. A chegada da Valentina foi o nosso maior presente e a melhor mudança que aconteceu em nossas vidas, e acredito que estar mais nas redes sociais com ela- brincando, fazendo as imitações – tem instigado Valentina a ser o que ela é hoje. Quando as pessoas perguntam se eu acho que ela vai seguir carreira artística, eu digo que não dá pra saber ainda, mas Valentina tem duas coisas muito bacanas que não se compra: bom-humor e carisma. O primeiro vídeo dela que fez sucesso foi a imitação do Silvio Santos, e depois a Mirella colocou no canal dela do YouTube o vídeo da Valentina dando uma bronca na boneca. Aí o negócio viralizou! Fico impressionado com essa atenção, e para onde eu viajo as pessoas perguntam pelas duas. Existe um carinho muito grande pela nossa família que eu não esperava e me deixa muito feliz. Então a gente busca lidar com tranquilidade com o assédio, porque, na verdade, é afeto.

Ela só tem três aninhos, mas demonstra muita afinidade com as câmeras e, claramente, puxou o bom humor do pai. Vocês incentivam Valentina a desenvolver esse lado artístico, digamos assim, ou é algo que ela busca naturalmente?

Ela só tem três aninhos, mas a gente sempre a instigou a ser comunicativa, muito por eu ter sido uma criança e um adolescente tímido, introspectivo e envergonhado. Meus pais trabalhavam muito e não tinham tempo de desenvolver isso em mim, então tento fazer esse trabalho com a Valentina. Aprendi a ser desinibido, olhar para a câmera e falar ao público com a carreira e, às vezes, falo até demais. Ela já está fazendo natação, balé e socializando com os amiguinhos, mas se quando crescer quiser fazer teatro, aula de música, vamos apoiar. Ela ainda é um pouco tímida, mas quando está comigo ou com a mãe, e a gente pede para ela olhar para a câmera e brincar, ela vai. O mais importante é que ela tem que ser feliz e gostar do que faz.

O Silvio Santos é uma das personalidades brasileiras mais imitadas (não só por humoristas), e a sua versão, sem dúvidas, é a mais famosa delas. Como se dá a descoberta de um personagem e o processo criativo até você construir um?

Eu nunca imaginei que esse meu personagem fosse ficar tão querido pelo público. Muitos comediantes imitam tão bem o Silvio Santos, e eu tive o privilégio de emplacar com ele no Pânico logo no começo da carreira e ficar conhecido graças a isso. O Silvio Santos em si já é um personagem, criado pelo Senor Abravanel (verdadeiro nome do empresário) e que o tornou um dos maiores comunicadores do país. Ele foi muito legal comigo permitindo que eu fizesse uma inspiração em cima desse personagem e, hoje, sempre digo que sou uma caricatura dele, porque tento fazer do meu jeito. Eu não pareço com o Silvio. Tenho o microfone que ele usava, a peruca mais ou menos da cor do cabelo dele, o terno, a gravata, mas aquela dentadura que uso não representa o sorriso dele, é um adereço. Fui aprimorando a imitação, recebi a autorização, tive o privilégio de entrevistá-lo várias vezes, já fui ao programa dele… Ou seja, a falta de pretensão me fez ganhar esse presente e, até hoje, eu acredito, pelas viagens que eu faço, que é o personagem que eu interpreto que as pessoas mais gostam.

Falando em Silvio, você o entrevistou, vestindo a personagem homônima, para o programa de estreia da segunda temporada do Ceará Fora da Casinha – primeira vez, inclusive, que o homem do baú foi entrevistado para um canal pago do grupo Globo. Como foi essa experiência (e honra)? 

É verdade! Foi a primeira vez que o Silvio deu entrevista para um canal pago do grupo Globo. Foi muito bacana, e o canal ficou muito feliz, porque ele foi bem legal comigo. Eu o entrevistei na porta do salão do Jassa – seu amigo, parceiro e conselheiro de tantos anos, e ele bateu um papo muito bacana comigo, foi atencioso. Esse momento foi importantíssimo para a segunda temporada do programa, a repercussão foi boa e, lógico, que esse sucesso também se deve a ele. Eu sou muito fã e grato ao Silvio.

Outras imitações bastante famosas suas são a da Marília Gabriela – Gabi Herpes, Clodovil, Galvão Bueno, Dercy Gonçalvez, dentre outras. Mas já teve algum famoso que você tentou desenvolver e não conseguiu?

Eu faço personagens e busco não focar apenas nas imitações. Então, quando não consigo fazer a voz do jeito que gostaria, por exemplo, para não perder o personagem, vou lá e crio uma caricatura. Presto atenção nos trejeitos, nos bordões e, por estar na televisão, uso muito o corpo nessa construção, e isso ajuda bastante. No Multishow também conto com o trabalho dos caracterizadores, da galera do figurino, dos roteiristas, da direção, porque a gente não consegue fazer nada sozinho. É um trabalho de observação, mas que envolve uma equipe. Nunca havia imitado o Walter Casagrande e, um dia, assistindo ao Globo Esporte, prestei atenção nele e desenvolvi uma caricatura, mas nunca fiz na televisão. O Paulo Henrique Amorim também veio meio sem querer e, às vezes, acontece isso de você sem ter a intenção desenvolver a imitação de alguém e, em outros casos, você tem que ficar seis meses, um ano construindo. A Regina Ralé (Regina Casé), o Michel Treme (Michel Temer) e a Gabi Herpes (Marilia Gabriela) deram muito trabalho. Cada personagem tem um processo, não tem uma regra. Depende muito da inspiração, e isso muda a cada dia.

Você faz comédia há quase 30 anos e, durante essa trajetória, muita coisa mudou neste cenário. Como você avalia todas essas transformações e a tendência natural da expansão do humor na internet?

Ano que vem faço 30 anos trabalhando, vivendo e sustentando minha família com o humor – e tenho muito orgulho disso. Algumas pessoas me conhecem da rádio ou do Pânico na TV pra cá, mas comecei em 1989. Muita gente nova surgiu, gente boa. Uns, talvez, precisem melhorar, como eu também precisei. Mas acho que isso faz parte e é importante. Aprendemos muito com a galera nova, porque eles trazem uma proposta diferente. Mas aprendemos com os realmente talentosos e que querem construir uma carreira, não com os aventureiros que pegam carona. Outra questão que vale ressaltar é a da patrulha do humor. Está muito chato esse lance de o humor ter que ser politicamente correto. O povo brasileiro é naturalmente brincalhão, e gostamos de tirar sarro um com o outro. Crescemos nessa atmosfera, e essa se tornou a característica do humor nacional. O que não pode é exagerar. Sou contra bullying, ofensa, palavrão como ponto, vírgula ou escudo – você não tem uma piada e joga um palavrão. Nunca quis ofender ninguém e sempre que gravava com o Vesgo para o Pânico na TV procurava conversar com as pessoas, agradecer pela entrevista, pedir desculpas por qualquer coisa. Mas acho que tem muita gente boa, e vale a pena aprender com essa geração mais jovem. Temos que nos renovar, mas sem perder as características que nos tornaram conhecidos. Estou aberto ao que vier de coisa nova – veículos, plataformas, parcerias – e quero aprender com quem está chegando.

Ceará fora da casinha

Vale perder o amigo para não perder a piada? Hoje, se é um amigo mesmo, não vale perder. Uma piada é uma piada, tem muitas, dá para mudar o caminho. Amizades verdadeiras são raras.

Quem te faz gargalhar? As coisas simples do dia a dia.

Youtube ou Stories? Eu gosto e estou nos dois – no Youtube com o MiNa real, e nos stories com as imitações, a Valentina e minha família.

O que te faz perder a graça? Violência, falta de educação, grosseria, gente mal-educada.E quando eu não consigo dormir direito perco o humor.

Quem ri por último ri melhor? Não, só não entendeu a piada ou não ouviu, sentou lá atrás, e o som não tava bom – ou a piada foi sem graça.

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