sua nova obra o escritor reflete sobre gênero, raça e corpulência, apresentando um príncipe trans, preto e gordo, que é corado com um pente garfo no quilombocéu; e que em sua estadia é salvo da terra, da transfobia, gordofobia e racismo
Jared Amarante é um escritor jovem, que aos vinte e oito anos já tinha cinco livros publicados, sendo o primeiro deles na Europa, após vencer um concurso mundial de poesias, em 2010. Com sua primeira obra lançada no exterior, e após uma pausa de quatro anos, Jared retorna, aos 29 anos, com sua nova obra e, também, nova assinatura literária, pois em seus livros anteriores, feitos pela editora Multifoco, usava o pseudônimo Gui Barreto. A trama é voltada ao público infantil e adulto; recebe o nome de Ariel – a travessia de um príncipe trans e quilombola, com publicação pela conceituada editora Giostri, conhecida por ter em seu catálogo diversos dramaturgos brasileiros.
Mais uma vez deixando sua marca nas histórias, com sensibilidade e assuntos sociais relevantes, o autor constrói, de forma lúdica e criativa, uma narrativa que retrata a vivência e conflitos internos de Ariel, nomeadamente Ariele por seus pais. Um menino transexual, gordo e preto, que, mergulhado em seu mundo, é levado a percorrer sua ancestralidade no Quilombocéu. Tais caminhos o cativam a uma afirmação de si mesmo, enfrentando seus medos, angústias e ansiedades expressas em seus desenhos, que simbolizam suas experiências negativas na Terra.
Esta narrativa, forte e instigante, é, sem dúvida, referencial para crianças, adolescentes e adultos de transidentidades, gordos e pretos do Brasil e do mundo, que arduamente estão em busca de reconhecimento social e legitimação de suas identidades. Por um lado, dá amparo a estas pessoas e as que estão em processo de descoberta pessoal. Por outro lado, instrui os demais públicos que convivem com pessoas pretas, gordas e trans e que não as compreendem ou as desrespeitam. Para que assim se evite imposição à estas identidades, intimidando desejos ou criando impedimentos.
A história apresenta a travessia e transição de Ariel, que vai parar no Quilombocéu quando desabafa com seu papel após sofrer racismo e transfobia de seu próprio pai. No Quilombocéu, Ariel se sente aceito e é corado príncipe da paz. A ideia é trazer a concepção do que imaginamos ser o céu, ou seja, uma terra de igualdade, resistência, força e segurança. E é neste lugar que Ariel se reafirma para o mundo como um garoto trans, preto e gordo. Vindo a ser corado com um pente garfo entregue por Deus.
Importante ressaltar que a narrativa apresenta também diversas referências (inspiradas) na culinária quilombola; além de reflexões sobre a pressão estética, sobre o que é ser belo e formoso, e como podemos nos aceitar e nos amar mesmo quando os espaços sociais ainda não estão preparados para (e desprestigiam) os corpos gordos.
Além disso, o personagem nos ensina sobre a importância de nos encontrarmos, aceitarmos e legitimarmos nossos corpos e sentimentos. Seguramente é uma obra que despertará olhares para fomentarmos debates antirracistas: porque os pretos não são referências de realeza? Lideres? Protagonistas? Como os brancos contribuem para isso? Se o mundo tivesse que ser salvo por um corpo com as características de Ariel, preferiríamos morrer? ‘Está é uma obra cujo propósito é trazer pertencimento e autoestima aos corpos pretos, trans e gordos e, também, educar a criança que mora no
adulto. Esse livro é minha contribuição na luta antirracista. É também uma denúncia de um mundo transfóbico e gordofóbico’, comenta Jared.
Ariel – a travessia de um príncipe trans e quilombola é prefaciado e comentado pelo psicólogo Welington Oliveira, especialista em gênero e sexualidade. Sua forma de concepção de ideias nos leva a pontos muito profundos da obra, onde pela ótica histórico-cultural, jurídica, filosófica e psicanalista, conseguimos compreender mais sobre o universo das pessoas trans, pretas e gordas, bem como acerca de identidades de gênero, orientações sexuais e expressões de gênero, entre muitos outros assuntos, o que revela a obra como sendo também de caráter educativo, didático e social. Uma referência diante do que se produz em literatura no país. ‘’Particularmente, de maneira honrosa, considero eloquente está temática de espectro psicológico na literatura romântica, que traz luz à consciência humana, um saber em sua arte e ludicidade. Freud tem uma frase cabal e pertinente neste diálogo com a obra literária estética: ‘seja qual for o caminho que eu escolher, um poeta já passou por ele antes de mim’. A beleza e riqueza do mundo estão na multiplicidade, tal como a variedade de cores que embelezam o arco-íris. Viva as pessoas trans, pretas e gordas, e o Ariel de cada lugar’’, comenta o psicólogo.
O fôlego da vida é concedido a Ariel pelas mãos talentosas do artista e ilustrador Nathan Henrique, homem trans e preto. Com desenhos sensíveis e que fogem dos clichês do que vemos em muitos livros infantis, as imagens são muito questionadoras e únicas. Os desenhos, bem pontuais, revelam momentos marcantes da narrativa. ‘Para fazer o livro, pesquisei referências, mas para uma cena especifica, que é quando Ariel dança valsa, fiquei triste, pois eu não encontrava pessoas gordas dançando valsa. Foi muito difícil achar, porque ou as pessoas gordas estão em memes, ou são estereotipadas como alguém que vira piada’, comenta Nathan.
Com uma pegada, também jornalística, a obra ainda conta com diversas entrevistas de homens e mulheres trans de várias regiões do país, que nos contam sua trajetória, dificuldades e sonhos.
Elogiada por celebridades e artistas importantes, a obra Ariel – a travessia de um príncipe trans e quilombola, traz a aprovação e comentários de personalidades trans que possuem grande reconhecimento na mídia e amplo discurso social, como Jup do Bairro, cantora e compositora, vencedora do prêmio Multishow 2020; Tarso Brant, ator, que fez o personagem T Brant, na novela ‘A Força do Querer’, de Gloria Perez; Thales Alves, primeiro homem trans, preto e gordo a participar do Masterchef Profissionais; Viviany Beleboni; atriz, modelo e militante; Lisa Gomes, jornalista e repórter.