BALADA DE UM HOMEM COMUM

Afinal, não é porque o empresário acordou a cidade que nunca dorme com seus bares, boates, casas de show e restaurantes, que se tornou um habitué delas. Diurno, diletante e inquieto, Facundo se perde (ou se acha) em meio à concrete jungle brasileira buscando fazer aquilo que mais lhe dá prazer, fora estar com a filha Pina: resolver problemas e presentear SP com seu afeto em forma de concreto. Recebendo a equipe da inVoga em seu mais recente projeto, o Bar dos Arcos, no subsolo do Teatro Municipal, o desbravador do “labirinto místico”cantando por Criolo nos indica, em cada resposta desta entrevista, o porquê de ter se tornado um dos nomes mais criativos, independentes e fascinantes da noite de São Paulo, sem, muitas vezes, estar presente nela.

Nós te entrevistamos pela primeira vez há dois anos, em 2015, e, naquele ano, você postou no seu Facebook: “Um salve para aquele que será o melhor ano da minha vida. 2015, te tenho pelos chifres.” E aí, foi o seu ano?

Em muitos sentidos, sim, mas isso não quer dizer que foi um ano 100% positivo. Naquele período, o ritmo estava acelerado, motivado pela Copa de 2014 e pelas Olimpíadas que viriam em 2016, então abrimos quatro projetos em um ano. Porém, logo em seguida, estourou uma das maiores crises econômicas de todos os tempos. Para contrapor aquela fome que tive em 2015, hoje em dia tenho que ser muito mais conservador, porque, por causa desse meu expansionismo, eu praticamente quebrei. Praticamente, não. Eu quebrei. O problema é que eu sempre fui muito guloso com relação aos projetos; apareciam muitos, e eu ia fazendo. Eles começavam com muita energia e perdiam a força logo depois, porque eu não cuidava deles, não estava dentro do negócio. Isso aconteceu com o Z Carniceria e com o Drive In, que foram recentes e, no final das contas, não deram certo pela primeira vez na vida. Aliás, o Z Carniceria deu. O Drive In é que não, porque eu não tava lá todos os dias, e é preciso ajustar as falhas, não tem outra saída. Você planeja uma coisa de um jeito, mas quando abre, a realidade é outra, e você tem que corrigir.

Então você acredita que o olho do dono engorda o gado?

Não, é o gado que engorda o olho do dono. Odeio quando falam esse tipo de expressão, porque parece que estou fazendo comércio como pecuarista extrativista, lidando com humanos como se eles fossem gados. Eu sei que é só um termo, mas não é isso. O lugar precisa ser refinado, pois nada nasce pronto. Você projeta de um jeito, mas quando você julga ele pronto, o público vai responder àquela dinâmica que foi construída. Uma coisa é virtualizar, imaginar aquilo na sua cabeça, uma outra é a realidade dura de como funcionam os processos. Um negócio envolve o serviço, o produto, o ser humano e tudo mais. É necessário lidar com um algoritmo que possui centenas e centenas de variáveis. Algumas delas vão dar errado. Quando você tá fazendo um drink, cada um deles pode sair de um jeito, e cada pessoa pode ter uma experiência diferente. Hoje em dia, o público já vem com uma expectativa, até porque o meu trampo e o das pessoas que tão comigo – fazendo isso há 15 anos -já gera uma atmosfera a cada novo lugar aberto. Não dá pra fazer um lugar meia boca. Quem me dera poder fazer alguma coisa meia boca e depois consertar.

Você mencionou ter quebrado, mas, como é lidar com o fracasso?

Hoje eu lido com a expectativa do fracasso, porque sei que faz parte da tragédia humana. Ao mesmo tempo que consideramos uma pessoa bem-sucedida, a gente goza da desgraça alheia. Está aí o Eike Batista para provar. Quando ele estava na lista dos bilionários, um dos primeiros brasileiros a entrar nessa lista, ninguém aplaudia. Mas, quando ele começou a sua decadência, sua tragédia, virou meme. A gente gosta da desgraça do outro também e, aqui no Brasil, um dos piores países para empreender do mundo – isso é estatístico – é foda você ser bem sucedido. Eu tava lendo outro dia sobre os 180 melhores países no mundo para empreender, o Brasil está na 157º posição, atrás do Iraque. Estamos muito acostumados com o fracasso, temos uma autoestima baixa, e não é à toa. A nossa autoestima é açoitada todo dia. É foda você ver alguém se dando bem e não invejar. Eu entendo, eu sinto isso também.

A sociedade de um modo geral tende a colocar o dinheiro como a medida do sucesso, mas esse não parece muito ser o seu barato. O que te faz perceber e mensurar o sucesso?

Hoje em dia, para dar continuidade ao que eu faço, tive que redimensionar o que é sucesso, porque não é mais dinheiro. A gente tem uma sociedade que valoriza muito a grana e que transforma ela em parâmetro para tudo. Quando você fala “essa pessoa é bem sucedida”, automaticamente ela tem que ser uma pessoa com dinheiro. Atualmente eu tenho menos dinheiro do que eu tinha quando eu tinha 20 anos de idade, acredite. Eu tô muito duro, a ponto de ter que escolher iogurte no supermercado, uma situação pela qual eu nunca passei. Mas, eu me julgo bem sucedido porque eu posso falar exatamente aquilo que eu penso, não puxo mais o saco de ninguém, não tenho que ficar mais fazendo média, não tenho que fazer lobby e sigo com aquilo que acredito.

Mas, por que trabalhar com noite?

Sei lá! Destino. Eu aprendi a fazer isso. Sou engenheiro e gosto de resolver problema; a minha vida é resolver problema. Para mim, o problema é a razão da nossa existência. Se eu não tiver um, engordo, fico sedentário. Não quero ser um humano feliz, contando dinheiro e comprando carro importado, eu quero ter problema pra resolver. Isso é o que me move. Eu me entedio muito fácil, então tenho que fazer 10 coisas ao mesmo tempo. Hoje em dia nem faço mais noite, faço cinema, centro cultural, bar, show, restaurante. Boate era uma coisa que eu fazia há cinco anos. Se eu for fazer uma outra boate, vou ter que romper uma convenção de boate. De todos os aparelhos culturais, eu já fiz pelo menos dois de cada um. Cinema, por exemplo, fiz o Drive In e agora o Mirante, que é um projeto desenvolvido através do crowdfunding. Bares eu já fiz três, casas de show foram duas. Mais cinco boates e dois restaurantes – então eu não tenho mais que me provar. Nem pra mim nem para ninguém.

Mas, de tudo que já fez, do que você mais se orgulha?

O Mirante. Porque, no final das contas, o Mirante transcende a necessidade de fazer dinheiro. É libertador fazer algo sem importar se aquilo vai “dar certo” ou não. Fazer alguma coisa que vai ficar para a futura geração dos paulistanos, e eu falo em meu nome e no de um monte de gente que está por trás de mim trabalhando no dia a dia. Sou apenas a ponta visível de uma máquina que pensa igualzinho à maneira que penso – tá fazendo isso por uma ideal de cidade. Isso não quer dizer que eu seja bonzinho, já que as pessoas confundem esse tipo de trabalho com bondade, altruísmo ou uma coisa do gênero. O que eu sou, na verdade, é meio apocalíptico: as pessoas que convivem comigo sabem que tenho muito medo do fim do mundo. Porque eu acho que, da maneira que a gente tá desenhando, se a gente colocar o capital no centro das nossas vidas, se a gente fizer tudo por dinheiro, eu acho que o mundo vai acabar numa bola de fogo.

E chegar aos 40 anos mudou alguma coisa? Ou não?

Não, eu só me dei conta que vou morrer, o que eu não tinha percebido até os 40. É engraçado porque têm aquelas velhas piadinhas que as pessoas costumam falar que “os 40 são os novos 30” ou que “a vida começa aos 40” e é uma puta mentira, porque a morte começa nessa idade. Quando você faz 40, a morte, que era uma coisa muito abstrata, fica absolutamente tangível, palpável, sentida em nível celular. Você começa a percebê-la com uma perda de energia, que é a entropia. Então, se tudo tende ao caos, e a gente é um átimo de ordem, a partir dos 40 anos, você começa a se degradar. Se antes era preciso de uma quantidade de energia razoável para fazer coisas simples, – tipo puxar ferro, correr, trabalhar, fazer 20 coisas ao mesmo tempo, manter dois relacionamentos paralelos, – a partir dos 40 você já não tem mais energia para isso e acaba tendo que escolher quais são os pontos focais que vai depositar o que lhe resta de potencial energético.

Vamos ficando mais seletivos?

Não sei se seletivo, mas pode ser que eu não tenha mais energia nem tempo para desperdiçar. Hoje em dia, eu aprendi a dizer não. Isso, para mim, é uma questão de afeto. Se um amigo, uma pessoa que eu conheço me pede qualquer tipo de favor, eu faço. Ontem, por exemplo, fui ao lançamento de um livro e encontrei com uma fotógrafa que conheço desde 2005. Ela falou “eu vi que você tá fazendo umas imagens de drone. Eu tô fazendo um longa-metragem e preciso de você pra fazer as imagens de drone”. Eu disse: faço! Não tô perguntando dinheiro, não tô perguntando como vai ser, só preciso que me digam o que querem e eu faço, porque é uma relação de afeto. Eu acredito realmente nessas trocas afetivas. Quando a Flá (Flávia Brunetti, produtora executiva desta matéria) disse “preciso de você em tal hora, tal canto”, eu vou. Não é por querer aparecer, estar em mais uma revista, dar mais uma entrevista – até porque já fiz muito disso. É por afeto. Porque é importante para o trabalho dela, para o trabalho dessa equipe, é importante para um monte de coisa além do meu ego, que vai ficar lustrado. Eu perdi essa dimensão gigantesca do “Eu”. E acredito que empatia é uma palavra-chave no século XXI, você conseguir entender como as suas ações reverberam nos outros e como é importante que você abra mão de algumas coisas suas pelos outros. Parar de pensar só em você o tempo inteiro. Digo isso pois já fui muito egoísta.

O que você espera de São Paulo diante de toda essa fomentação?

A gente tem hoje, em São Paulo, essa questão muito marcada do centro X periferia. A gente fala muito do centro, mas pouco da periferia. Para mim, a periferia é futuro. Acho que no futuro, a gente vai ser uma grande quebrada. A periferia já sabe viver na economia do afeto, na escassez, já sabe trocar, compartilhar, sabe se proteger, cuidar um do outro, porque é isso que acontece quando a gente tá numa economia de escassez. Acho que hoje a gente fala pra periferia “vem pro centro”, mas eu acho que o centro é que tem que ir pra periferia. O nosso modo de vida tem que ficar mais periférico do que o deles central. A gente não tem nada pra ensinar para periferia, a gente tem que aprender com ela.

Você já pensou em sair de São Paulo e levar um pouco dessa energia para outro lugar?

Eu sou territorialista e estou muito governado por um propósito, por política, por resolução de problemas. Eu não quero ser o salvador da pátria e também não quero que me vejam nem como um exemplo a ser seguido. Estou cuidando do meu jardim, e se tem mais gente que tá olhando pro meu e querendo fazer igual, massa. Não tenho que chegar pra ninguém e falar “cuida da tua cidade, olha pra tua cidade, teu território”. Seria muito arrogante o paulistinha chegar em BH e querer ensinar como eles têm que cuidar da cidade. Eu não tenho essa pretensão e nem quero essa responsabilidade, não acho que seria verdadeiro. A gente não pode perder essa dimensão do pequeno, sabe? Da pequena política. A gente fala de política em relação à Brasília e quando falamos de expansão é sobre querer o mundo, abrir tantas lojas, quero mais e mais rápido, melhor, mais refinado… e não. O pequeno é bom. Eu acho que o pequeno é a solução. Você tá revoltado com a questão política no Brasil? Tá bom. Quanto você paga pra tua faxineira? Como é tua relação com os menos privilegiados que você? Como você trata o porteiro? O guardador de carro? Como que você trata um dependente químico quando ele te pede dois reais? Aí se faz política. Não se faz mais política com o Temer. Aquilo virou um reino da fantasia podre que eu não tenho nenhum tipo de interesse. A gente perdeu a capacidade de ver que o pequeno tem potência para virar grande, porque ele gera contaminação. O que tá acontecendo em São Paulo chega a Nova Iorque. O que tá acontecendo na Índia chega ao Brasil. Por continuidade, porque a gente tá vivendo em uma rede que é distante geograficamente, mas, ao mesmo tempo, é global no ponto de vista de comunidades e redes.

O paulistano está mais orgulhoso de São Paulo?

Acho que ele tá mais orgulhoso de São Paulo, mas isso não significa que ele esteja contente.

E de si, você está orgulhoso? Mais orgulhoso de mim?

Ah, isso pouco importa! Digo mais, tenho uma autoestima baixa. Todos os dias eu acordo me achando burro, feio e mal-sucedido. Mas, ter uma autoestima péssima me faz não acreditar em muitos elogios, achar que as pessoas estão sendo só gentis, e acabo não conseguindo ter esse orgulho. Nem quando olho pro espelho, nem pro meu trampo. Porque, a partir do momento que eu também começar a me achar incrível, vou parar. Eu tô sempre tentando provar, não pra mim mesmo, mas para as pessoas, que vai mais além do ego. É difícil, porque a gente vive numa sociedade em que dinheiro e fama pautam tudo. Não quero ser famoso, pois não faz sentido, pra mim, ter milhões de seguidores no Instagram. Não consigo entender esse culto da fama. Mas, por um outro lado, todas as vezes que aparece alguém que vem com esse discurso, as pessoas ficam logo pensando que tá querendo ser humildão, tentando enganar todo mundo. Quando eu legitimamente falo que não quero é porque eu não quero mesmo! Está tudo certo, porque é legal pra um monte de gente, mas não pra mim. Por que eu não tenho o direito de não querer? Eu não sou famoso por conta própria.

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