220 PAULOS

FOTO: Paulo Gustavo por Vicente de Paulo

Sim, meus amigos, ele é um homem de números. Mas, talvez, nem a equação de segundo grau mais complexa explique o fenômeno Paulo Gustavo. Seu filme Minha Mãe é uma Peça 2, adaptação no cinema do espetáculo homônimo que lhe levou às cabeças do humor brasileiro contemporâneo (e, falando em cabeças, por que não dizer que ele encabeça essa lista?), é o quarto longa mais visto da história da sétima arte nacional, assistido por 9,8 milhões de espectadores. Camaleônico, o humorista é um daqueles que não poupa quando o assunto é versatilidade e, nos palcos, telonas e telinhas, transborda em suas icônicas personagens o talento nato e os vários Paulos que existem dentro de si. Hiperativo assumido, o filho de Niterói e de Dona Déa Lúcia emenda um projeto no outro, mas dorme o sono tranquilo de quem encontrou no teatro seu lugar, na arte a salvação, em Thales Bretas um amor, e no trabalho um poder transformador que reverbera não só na vida do ator, mas, sem dúvida, na de quem lhe assiste. 

 

A inspiração para sua maior personagem – a hilária Dona Hermínia, vem da relação com a sua mãe. Mas, se rebobinarmos até antes desse estalo criativo, como foi perceber que, além de ator, você estava se tornando um comediante?

Sempre fui um cara que olha de forma engraçada para as situações. Pegava um acontecimento, botava uma lente de aumento naquilo e fazia ficar muito mais engraçado, às vezes, do que era de fato. Transformava coisas tristes em alegres, ou criava um texto sobre algo que era difícil pra mim e comecei a ver que eu dava pra isso. Eu era ator, comediante. Comecei a assistir peças de comédia, me interessar e resolvi fazer CAL (Casa das Artes de Laranjeiras) com o apoio da mulher do meu pai, minha mãedrasta. Foi o divisor de águas, e percebi que eu não queria mais sair dali, sabe? Eu sempre imitava a minha mãe e minhas tias, porque as mulheres da minha família são divertidíssimas. Um dia fui assistir à peça Surto, e eles me convidaram para fazer uma participação, mas fiquei pensando sobre o que iria fazer, e a Samantha Schmutz, que é minha amiga, falou: “Paulo Gustavo, é tão engraçado você imitando sua mãe, o que você acha?”. Peguei umas coisas que minha mãe fala e criei um texto de cinco minutinhos em cima disso. Foi superdivertido e, daí, eu resolvi escrever um monólogo dessa personagem – que foi totalmente inspirado na minha mãe, mas acabou sendo uma homenagem a todas as mães. Aí virou o que virou, né? Minha mãe é uma peça! Mas, antes disso, só existia eu mesmo: hiperativo e perdido.

 

FOTO: Paulo Gustavo por Vicente de Paulo

O espetáculo Minha Mãe é uma Peça tem mais de 10 anos, está em sua quarta turnê, se transformou em dois filmes, livro, e bateu recordes de público no cinema e teatro. Seria reducionismo perguntar se existe um segredo para esse inegável sucesso. Mas, por que você, como autor e ator, acredita que ele tenha se tornado tão atemporal e assistido? 

Não existe segredo para o sucesso e, se existisse, contaria pra todo mundo. Mas, se você fizer um espetáculo para a família, já tem meio caminho andado, porque pega vários nichos. O espetáculo Minha Mãe é uma Peça é quase um circo: para todas as idades. Vai criança, idoso, meia idade, adolescente. Dona Hermínia é realmente uma figura carismática e, apesar de o espetáculo falar sobre esse tipo de relação meio histérica entre mãe e filho, tudo é contado de uma forma muito sutil e delicada. Com amor. Ela berra, grita e se desespera, porque é uma mãe preocupada, que ama suas crianças, e acho que é por isso que todo mundo se identifica. Esse espetáculo nasceu do meu coração, e tudo que falo nele é verdadeiro, legítimo. Exumei muita coisa que vivi em minha vida com a peça e a transformei em uma homenagem à minha mãe e à família brasileira. Ela é atemporal. A riqueza está na simplicidade, e tudo isso contribuiu para que fosse um sucesso. Eu amo fazer, entro e saio de cena realizado, transformado. E acho que acabo transformando o público também, né? 

Por ser um monólogo, a peça acaba, naturalmente, se tornando uma obra muito sua, que funciona dentro do seu tempo. Mas como é desenvolver com parceiros em cena? Dividir o palco te deixa mais confortável ou mais intimidado? 

Eu amo dividir o palco! Depois do Minha Mãe é uma Peça e do Hiperativo, dois monólogos, vieram o 220V e o Online – que escrevi e onde contracenei com outros atores. Amei muito contracenar, estar em cartaz com um grupo, viajar com eles. Monólogo faz a gente ficar muito só: você sai de cena, vai pro hotel sozinho, come um omelete, toma uma coca-cola e vai dormir (risos). Fiquei durante anos assim. Quando tem elenco é uma diversão, e, como sempre convido amigos queridos para contracenar, tudo se torna uma festa, uma alegria só. Acho que minha próxima peça vai ser monólogo novamente, mas amo quando tem elenco no palco. Amo! 

Você é um artista que transita com consistência entre o teatro, o cinema e a TV, construindo um público cativo em cada mídia e migrando personagens de um meio para o outro. Mas existe aquele formato que faz seu coração bater mais forte?

Onde você se sente mais completo, digamos assim? Tudo que faço na minha carreira hoje é porque eu fiz teatro. Foi meu primeiro trabalho e acabou se tornando uma vitrine para eu ter sido visto e ter recebido convites para outras coisas. Adoro o contato direto com o público e a lógica: faz o espetáculo, fecha a cortina, aplauso. Vou para casa realizado. Amo o Multishow, que me abriu uma porta que ninguém abriu, e estou lá há sete anos. Tenho uma relação estreita e de carinho com eles. Todos são muito generosos comigo, tenho liberdade artística lá dentro e isso é o que mais importa pra mim e pra minha carreira. Escrevo, dirijo, edito, participo do figurino, do cenário, estou em todas as etapas, e isso, pra mim, é muito legal, porque adoro fazer um trabalho quase artesanal. No cinema, antes do meu próprio filme, fiz participações em Divã, Guerra dos Rocha, Xuxaem O Mistério de Feiurinha e, depois, veio meu primeiro projeto: Minha Mãe é uma Peça I. Virou aquela coisa, né? Cinco milhões de espectadores! Fiquei super feliz com isso e, hoje, também mantenho uma relação bem firme com o cinema. Invisto, escrevo, participo da direção, estou em todas as etapas. Enfim, adoro todos esses, mas, com certeza, teatro é a minha praia, eu amo fazer e é o lugar onde eu mais fico feliz. Se tivesse que escolher um, eu escolheria, sem dúvida alguma, o teatro. 

 

Falando em cinema, TV e teatro, percebo que você é um artista que sempre está envolvido em vários projetos concomitantemente – em mídias diferentes e com parceiros criativos diferentes. Você é mesmo ligado no 220V e faz/quer tudo ao mesmo tempo e agora? 

Sem dúvidas, sou uma pessoal totalmente hiperativa, né? Nesse momento, eu estou escrevendo um longa com a Mônica Martelli, que vai rodar em junho e estreia em dezembro; estou fazendo turnê durante dois fins de semana do mês com o Minha Mãe é uma Peça; e eu vou filmar o 220V em agosto e setembro. Na verdade, estou em três projetos agora: um no cinema, um no teatro, e um na TV. Mas já calhou de eu estar em cartaz no cinema, estar reprisando um programa no Multishow, eu gravando outro e, ao mesmo tempo, estar em turnê. E aí parece que eu não durmo, né? No Multishow, por exemplo, está passando a Vila, reprisando episódios mais antigos do Vai que Cola, no fim de semana está passando o Paulo Gustavo na Estrada, programa que gravei anos atrás, e ainda fiquei sabendo que estão transmitindo de madrugada a quinta temporada do 220V. Então, para quem acompanha o canal, fica parecendo que eu estou em quatro programas ao mesmo tempo. Esse ano tá sendo tranquilo pra mim, tanto que eu estou conseguindo trabalhar, trabalhar, trabalhar, passear, passear, passear, trabalhar, trabalhar, trabalhar, passear, passear, passear, entendeu? Tá bem equilibrado. Mas sou hiperativo e adoro estar envolvido em vários projetos. A arte é uma coisa que me salva, e trabalhar me deixa transformado. Amo o que faço. 

FOTO: Paulo Gustavo por Vicente de Paulo

Seu último espetáculo teatral, o Online, trouxe como foco essa era da internet pela qual estamos passando e que, em tantos aspectos, revolucionou o meio artístico. Como você avalia esse novo momento da dramaturgia/humor – com tantos personagens surgindo – e os famosos fenômenos da internet?

Estamos vivendo a era da conectividade. Tá todo mundo ligado o tempo todo, e falei muito disso no espetáculo Online. Naturalmente, começaram a surgir os fenômenos, os blogueiros, os influenciadores digitais, mas isso não foi exclusivo do humor. Está acontecendo uma transformação no jornalismo, na comunicação. Uma revolução. Na moda acontece a mesma coisa. As primeiras filas dos eventos são preenchidas por blogueiras famosas na internet. Já no teatro e no cinema temos o Whindersson, que é um verdadeiro fenômeno do Youtube, e acho isso mega positivo, porque a internet proporciona espaço para muita gente boa que está surgindo e, que, até então, só se tornaria conhecido se aparecesse em algum canal de TV. Eu, por exemplo, alimento muito as minhas redes sociais. Estou sempre fazendo palhaçada no Instagram, no Stories, no Facebook, ou contando os perrengues das minhas viagens, falando de trabalhos. A turnê do Minha Mãe é uma Peça, que eu estreei ano passado, foi toda divulgada online, e tem cidade em que, quando abre a bilheteria, eu divulgo nas minhas redes e esgota antes de sair o primeiro anúncio. 

Nas telonas, para nossa alegria, já estão previstos dois novos filmes seus – o próximo da Mônica Martelli (Os Homens são de Marte 2) e a continuação de Minha Mãe é uma Peça. E para as telinhas? O programa A Vila continua sendo sua prioridade? Quais os próximos projetos? 

Para o cinema, meu novo projeto é Os Homens são de Marte 2, que protagonizo com a minha grande amiga Mônica Martelli. Vai ser o máximo, porque eu amo trabalhar com a Mônica – uma guerreira, batalhadora, excelente atriz, inteligente, culta, sensível, um exemplo dessa mulher moderna, empoderada, que se vira nos 30. Se dependesse de mim, ela ganharia todos os prêmios aos quais é indicada, não só como atriz, mas como mulher, e, pra mim, é uma honra estar fazendo esse filme com ela. Ano que vem, se Deus quiser, vou fazer o Minha Mãe é uma Peça 3. Estamos escrevendo, rabiscando, e queremos que saia no final do ano.  muito feliz com esses dois projetos! Na TV, estou na segunda temporada de A Vila, que eu vou gravar em agosto, e acabo de gravar um programa chamado Além da Ilha, que ainda não assisti e não faço ideia de como ficou o resultado final, porque muita coisa do roteiro foi mudada durante as gravações. Então, temos que assistir para formular direitinho o que é o programa de fato e como vamos falar dele. Mas, basicamente, é sobre cinco amigos que estão num barco, todo mundo pula para o mar e esquece de botar a escada. As personagens passam uma noite no mar e vão parar numa ilha deserta linda. Depois conseguem voltar para casa, participam de um prêmio, meu personagem ganha uma grana preta, resolve comprar a ilha para abrir um resort e chama os amigos que estavam naquele dia para trabalhar lá. A gente cria um resort cheio de aventuras, provas para os hóspedes que vão chegar, e aí vai acontecendo um monte de coisa errada nessas provas, e a gente vai fingindo para os hóspedes que esses erros fazem parte da prova. É um programa de aventura com suspense. Não é exatamente de comédia, mas tem humor.  

 

Suas demais personagens também são inspiradas no cotidiano, no que você, como bom observador que é, enxerga e absorve. Mas, além de fazer gargalhar, Senhora dos Absurdos, Mulher Feia, Sem Noção, dentre outros, também são construídos com o intuito de serem ferramenta de reflexão social? Seus personagens são a sua forma de fazer política? 

Com certeza posso falar de qualquer assunto usando a comédia. O Humor dá uma suavizada, às vezes, no que é delicado de se dizer, e acho que a arte no geral serve para isso: fazer refletir, incomodar… Eu, quando quero falar de um assunto que é difícil, uso meus personagens. É a melhor forma. Graças a Deus me sinto um cara privilegiado de poder contar com o humor para falar dos assuntos que estão em pauta. 

 

Ninguém menos que Fernanda Montenegro disse que você possui uma força cênica avassaladora e é um fenômeno a ser estudado. Como você absorve essa responsabilidade de ser um dos cabeças da nova geração do humor nacional? Existe a pressão de ser sempre genial? 

Sou um cara que não vou muito a programas de auditório, justamente porque existe essa pressão de que vou aparecer e vocês vão rolar de rir, vai ser super engraçado, porque “ele é genial”. A gente não é genial 24 horas por dia, né? Imagina eu falar que eu sou genial, seria patético. Sou criativo, sensível, observador, talentoso, até, mas não sou isso o tempo todo nem sou como um interruptor: entra, liga a luz, câmera, ação, faz uma graça. Então, criei certo bloqueio em dar entrevista, porque as pessoas sempre esperam um cara muito engraçado, irreverente, espirituoso, que até acho que eu sou, mas quando é espontâneo, e nem sempre somos espontâneos quando estamos contando o tempo, horário, pergunta do apresentador, tanto tempo para falar e já corta para outro entrevistado. Isso sempre foi muito difícil pra mim, era sempre uma prova, um Enem. Então, com certeza, essa cobrança sempre foi uma questão pra mim. Agora, o que a Fernanda Montenegro falou me deixou emocionadíssimo e, sempre que a encontro, ela é muito carinhosa comigo. Esses dias mesmo eu encontrei com ela no aniversário da Regina Casé. Mas não fico pensando se eu sou uma coisa ou outra. Deixo a vida me levar, sabe? Acho que só sou o que sou,  vivendo,  na praça,  na pista, trabalhando, vivo da arte, adoro viver da arte, adoro ser dessa geração da Tatá Werneck, do Fábio Porchat, do Marcos Veras, do Maquinhos Majella, da Samantha Schmutz, da Cacau Protásio. Tem tantos comediantes, né? Também sou muito amigo de todos os comediantes de uma geração anterior à minha, Heloísa Perissé, Ingrid Guimarães, Maria Clara Gueiros… Nossa, tem tanta gente legal! Ainda tem a geração do Miguel Falabella, Regina Casé, Diogo Vilela, Luiz Fernando Guimarães, Fernanda Torres, e eu sempre assisti muito a Comédia da Vida Privada, TV Pirata, Vida ao Vivo Show. Sou muito fã de todas essas pessoas e de muitas outras – e fico feliz de fazer parte dessa geração de comediantes mega criativos, que é essa que a gente tá vendo agora.

 

O Brasil acompanhou com pesar o infortúnio que aconteceu na sua primeira tentativa de ser pai junto ao Thales Bretas. Essa questão já foi emocionalmente resolvida por vocês? O plano de serem pais continua sendo um desejo? 

Ficamos muito felizes com a possibilidade de sermos pais, e claro que a gente passou por um momento difícil. Não é fácil você estar feliz, com quatro meses de gestação e, de repente, descobrir que você perdeu dois bebês. A gente ficou muito triste, mas nada como um dia após o outro, e o tempo vai fazendo você conviver melhor com essa informação. Isso que aconteceu com a gente não é diferente do que acontece com milhares de outras pessoas, mas eu e Thales continuamos na luta e vamos ter, com certeza. A gente não tem a menor dúvida disso, mas vai vir no tempo certo. Não estamos diariamente sofrendo por causa disso. Conseguimos digerir e entregamos nas mãos de Deus. A gente, às vezes, não entende o que está acontecendo agora, mas, lá na frente, vamos saber por que isso tudo aconteceu. O que importa é que a gente se ama. Sou feliz com o Thales, ele foi um presente em minha vida e, com certeza, vamos fazer essa família crescer, porque esse é um desejo muito, muito grande que eu e ele temos juntos. 

FOTO: Paulo Gustavo por Vicente de Paulo
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