Branquinha ou dourada, “marvada” ou boazinha, a cachaça se tornou um dos patrimônios da cultura brasileira. A aguardente de cana, que já foi considerada uma bebida de baixa qualidade, agora tem status de produto requintado. O rigoroso controle de qualidade e a grande variedade fazem com que a boa e velha caninha agrade aos paladares mais exigentes e ainda movimentem a economia do país.
Sua origem coincide com o início da História do Brasil, mais especificamente ao ciclo da cana no país. Um dos subprodutos da produção de açúcar, o caldo de cana era destinado à alimentação dos animais dos engenhos. “Após algum tempo, o caldo fermentava, produzindo um líquido com um cheiro diferente que aguçou a curiosidade dos escravos. Eles logo perceberam que o aroma agradável se associava a um sabor etílico e um efeito embriagador, permitindo, por momentos, esquecer a nostalgia e as condições subumanas em que viviam”, afirma o professor André Ricardo Alcarde, professor do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Esalq, ligado à USP.
Quanto ao nome, há várias versões: uma delas aponta para o termo espanhol cachaza, um vinho barato consumido em Portugal, ou para cagaça, como eram conhecidos os resíduos da produção de açúcar do Brasil. Outra hipótese é de que o nome possa ter vindo do termo que designava a fêmea do cachaço, um porco-selvagem cujas carnes duras eram amaciadas com a aguardente. Entre todas as possibilidades, segundo Alcarde, “a versão mais aceita é de que a palavra tenha origem espanhola”.
Com o passar do tempo, o processo de produção foi aperfeiçoado, o que fez com que a qualidade da bebida aumentasse e muitas variedades aparecessem. Nos últimos anos, surgiram as chamadas cachaças premium, produzidas e engarrafadas por pequenos e grandes produtores.
Um que define a aparência, o odor e aroma da cachaça é o tonel em que a bebida passa por processos de envelhecimento. Os diferentes tipos de madeira do tonel também farão com que a cachaça tenha características distintas. Por exemplo, uma pinga envelhecida em um tonel de carvalho fica dourada, tem acidez reduzida e um perfume de baunilha. Se a madeira escolhida for a araucária, no entanto, a cor, o aroma e o sabor originais da bebida serão preservados.
A pioneira foi a Ypióca, em Maranguape, no Ceará. A data é incerta: entre o final do século 19 e início do 20. O recipiente tinha 600 ml e ainda não levava o logotipo do fabricante. “Antes disso, a bebida era vendida em tonéis marcados apenas com o nome do produtor”, diz o cachaçólogo Marcelo Câmara. Chamados de canada, esses barris passavam de bar em bar, onde a cachaça era engarrafada artesanalmente. A produção de pinga começou por volta de 1534, nos engenhos de açúcar da capitania de São Vicente, hoje cidade de Santos. Atualmente, é o destilado mais consumido no Brasil e o terceiro mais bebido no mundo.
APRECIE COM SOFISTICAÇÃO
O bom cachaçólogo analisa certos quesitos
CHEIRO
Só de cana-deaçúcar, nunca de álcool. Se os olhos lacrimejarem, a pinga está ácida
ASPECTO
Veja o copo contra a luz: a bebida deve ser transparente e límpida como água
TEOR ALCOÓLICO
Por lei, o da cachaça deve estar entre 38% e 48%. Acima disso, é aguardente
DA CANA À CANINHA
Antes de encher o copo, a cachaça passa por três fases de produção
COLHER, MOER E COAR
Após colher a cana-de-açúcar, o mestre cachaceiro deve levar no máximo dois dias para extrair o caldo. Quanto mais rápido, melhor. Depois, ele deve ser coado e ter as impurezas retiradas
TEM ARROZ NO MEIO
É nesse tanque isolado que acontece o processo de fermentação, quando o caldo vira álcool. Os produtores mantêm em segredo a receita do seu fermento. Podem usar o próprio bagaço da cana ou ingredientes como fubá ou arroz
PARA O SANTO
Para quem faltou à aula de química: a destilação acontece em um tanque aquecido até que o álcool evapore. O vapor passa por uma serpentina resfriada e se condensa, virando líquido novamente. Os primeiros e últimos 10% desse líquido são eliminados – o restante vai para a garrafa ou para tonéis de envelhecimento
FONTES :
- Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); Faculdade de Ciências Farmacêuticas – Universidade Estadual Paulista
- Revista Casa e Jardim